quinta-feira, 19 de abril de 2007

No domínio da ficção


Em Obélix e Companhia, um dos livros da série Astérix, o gaulês, Caius Saugrenus, enviado de Júlio César e especialista em marketing, desloca-se a uma desmotivada guarnição romana onde anuncia “eu sou a solução dos vossos problemas”.
Ante tamanha convicção, um dos legionários, recordado dos efeitos milagrosos da poção mágica gaulesa, grita eufórico: “rápido, um caldeirão e ponham-no a cozer!”.
Nesta micro-campanha eleitoral para a presidência do CDS, há um candidato que vem assumindo uma atitude semelhante à do romano arrogante: “Eu sou a solução dos vossos problemas!”. “Eu”. Ele. Portas. O único e irrepetível pauloportas.net.
Relembrando a resposta pronta do legionário habituado a ser sovado regular e impiedosamente por gauleses ébrios de poção mágica, apetece perguntar se também Portas pretende saltar para dentro do caldeirão a fim de conceder a todos os militantes do CDS um trago do seu - mais proclamado que verificado, mais encenado que confirmado – génio, assim permitindo ao partido fazer face aos “gauleses” que o assolam.
Compulsado aquilo que emana da sua campanha fica-se com a sensação de que o candidato se julga ungido de uma graça especial. Bastará invocar o seu nome para que, de súbito, todas as fraquezas do partido se esvaneçam? Será suficiente impetrar as suas divinas atenção e clemência para que o CDS se fortaleça como o não fez durante os sete anos do seu mandato? Chegará o troar da sua voz para que a maioria socialista se esboroe amedrontada? Portas dá a entender que sim. O país inteiro sabe que não. E já lho disse em Fevereiro de 2005.
Mas que nos traz desta vez aquele que quer ser a solução de todos os nossos problemas e, de caminho, dos do país? Um programa sério? Uma equipa fiável? Uma ideia genial? Nada disso.
"Mas há Portas", dirão os entusiastas. "Temos Portas", clamarão os crentes no seu potencial taumatúrgico. E parece chegar-lhes as alegadas sobreexcelência e excelsitude do seu candidato. Mas isso não chega a um partido como o CDS. Sobretudo a um partido como o CDS, que sentiu na própria pele as limitações de ser “partido palco”.
Não basta oferecer à plebe um sorriso perlado agradavelmente surpreendido pela presença na varanda de um fotógrafo arrojado que interrompe a consulta do volume terceiro de uma enciclopédia qualquer para convencer quem quer que seja. Não bastam os ares de Calimero, a candura ofendida e o pacifismo oportunista de quem minou, conspirou e procurou destruir o próprio partido para persuadir o mais ignaro dos incautos. Já não cola. Mais do que prosa e pose, é preciso trabalho e capacidade de proposta. Ainda ninguém lhos viu durante esta campanha.
Depois da palmeta e do red fish, da lavoura, dos combatentes, dos idosos, da Nação, dos espoliados e da imigração, parece ter chegado a vez da saúde. Da dignidade e futuro do seu Sistema Nacional, das condições de trabalho dos seus profissionais e da qualidade e eficiência do serviço prestado aos seus utentes.
Esta é a palmeta nova de Paulo Portas. O seu novo motivo de orgulho e o primeiro alvo do seu reencontrado empenho oratório depois de dois anos de prestação parlamentar sabática. Espero que persista mais nesta “palmeta” que nas anteriores. Não me esqueço que, nas legislativas de 2005, enquanto éramos insultados por antigos combatentes por Portugal inteiro, Portas fugiu desses embates e acolheu-se à sombra protectora das tendas fechadas em que missionava os já convertidos.
Pena é que aquela preocupação com a saúde, anunciada com rodas de novidade, mais não seja, afinal, que uma réplica banal da iniciativa NH Yes de David Cameron. Do tal líder moderno, descomplexado e jovem que o Portas candidato agora quer ser. Nem que, para isso, tenha que imolar o ideário do partido no altar do marketing.
Esperava-se qualquer coisa melhor. Trabalhada. Impecavelmente clean e convenientemente green. Articulada.
Em vez disso, deparamo-nos com uma tradução caseira. “Bolo inglês” instantâneo que os portugueses já não engolem.
Ficção por ficção, prefiro o Astérix.

JV